O câncer diferenciado de tireoide (CDT) é a neoplasia maligna mais frequente do sistema endócrino, correspondendo a aproximadamente 95% dos casos de carcinomas desse sistema. O CDT é considerado uma neoplasia comportamental indolente com baixas taxas de morbidade e mortalidade (sobrevida média em 10 anos de 93 a 98%), sendo uma das neoplasias com maior chance de cura.
Nos últimos anos, o uso da resposta inicial ao tratamento, denominada "classificação dinâmica de risco", tem sido defendido para melhor estimar o risco de desfechos desfavoráveis em pacientes com CDT. Usando essa classificação, a taxa de recorrência nas coortes contemporâneas de CDT mostrou ser muito baixa, em uma família de 1-5%. Em uma coorte de nosso centro, que avaliou 786 pacientes, a taxa de recorrência no grupo de 357 pacientes classificados como excelente resposta após o tratamento inicial foi de 2,8%, e nenhum desses pacientes apresentou recidiva estrutural (seguimento mediano de 4 anos) . Assim, é possível afirmar que a maioria dos pacientes classificados como de excelente resposta após o tratamento inicial está permanentemente livre da doença. No entanto, o principal consenso sobre o manejo do CDT recomenda o acompanhamento em longo prazo, não definindo o tempo máximo de acompanhamento. Esse acompanhamento consiste em consultas em centros especializados (preferencialmente com endocrinologistas), exames laboratoriais (TSH, tireoglobulina e anticorpo antitireoglobulina) e exames de imagem.
No Brasil, a rede de saúde é caracterizada pela heterogeneidade das estruturas hospitalares quanto à incorporação de tecnologias e complexidade dos serviços, com concentração de recursos financeiros e pessoal especializado nas grandes cidades e desequilíbrio regional. Nesse contexto, os ambulatórios especializados de alta complexidade enfrentam superlotação (de pacientes já em acompanhamento) e acesso restrito (de pacientes que necessitam de acompanhamento). Nesse sentido, a transferência do atendimento de pacientes em acompanhamento em hospitais especializados para a atenção básica em seu local de origem para manutenção do acompanhamento traz benefícios para os indivíduos e para o sistema como um todo. A estrutura de encaminhamento dos usuários aos diferentes níveis de atenção no sistema público de saúde brasileiro ocorre por meio do sistema de referência e contrarreferência, ponto fundamental para garantir a acessibilidade, a universalidade e a integralidade da atenção. É entendida como uma contrarreferência a um nível de atenção primária, de menor grau de complexidade, devendo ser a unidade de saúde mais próxima do domicílio do paciente. Mecanismos facilitadores dos processos de referência e contrarreferência são fundamentais para garantir o princípio da integralidade, atendimento adequado ao paciente e uso racional de recursos.
Um dos formatos para desenvolver atividades de apoio à saúde e educação permanente são as teleconsultorias, que são consultas gravadas e realizadas entre trabalhadores, profissionais de saúde e gestores, por meio de instrumentos de telecomunicação, com a finalidade de esclarecer dúvidas sobre procedimentos clínicos, ações de saúde e assuntos relacionados ao processo de trabalho. Sabe-se que esse tipo de intervenção sistematizada baseada na prática é uma das formas mais eficazes de promover a educação permanente em saúde. A utilização da telessaúde, por meio da teleconsultoria, para casos encaminhados por médicos da atenção primária a serviços terciários é uma estratégia que visa qualificar e reduzir as listas de encaminhamento para outros profissionais médicos. Da mesma forma, a utilização da telessaúde surge como estratégia de contrarreferência para pacientes já atendidos pela atenção terciária para unidades básicas de saúde, garantindo ao paciente e ao médico a segurança de manejo adequado e retorno assistido para atenção terciária, quando necessário.
Neste estudo, 472 pacientes com diagnóstico de CDT atendidos consecutivamente no ambulatório de tireoide do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e que apresentaram excelente resposta ao tratamento inicial serão convidados a participar do estudo, e então randomizados para dois acompanhamentos Estratégias up-up:
1. Grupo controle: os pacientes permanecerão em atendimento no ambulatório de doenças da tireoide do HCPA;
2. Grupo intervenção: alta ambulatorial com suporte de telessaúde.
Serão excluídos pacientes com hipoparatireoidismo pós-operatório definitivo e/ou paralisia pós-operatória de prega vocal com necessidade de traqueostomia. Todos os pacientes serão avaliados pela equipe do estudo após completar 18 anos de acompanhamento. Clínica, laboratorial (TSH, tireoglobulina e anticorpo antitireoglobulina) e de imagem (ultrassonografia cervical) para recidiva do CDT serão avaliados nesta consulta de acompanhamento. O endpoint primário será a taxa de recorrência do DTC. Esta será dividida em bioquímica (quando há apenas sinais da doença em exames laboratoriais) e estrutural (quando demonstrada por exame clínico ou de imagem). Desfechos relacionados à qualidade de vida e uso do sistema de saúde também serão avaliados. Espera-se que ambas as estratégias de acompanhamento sejam equivalentes em relação às recidivas do CDT, podendo possibilitar a otimização do uso do sistema de saúde.